quinta-feira

Só mais um estropiado

Aí está companheiros deixo-vos também a vocês imagens fortes para lidar para o resto das vossas vidas. Conheço e recordo cada um de vocês, como sei que esta imagem do jipe destroçado, esse cartão de visita da mina, ficarão para sempre nas vossas memórias. Sei que de tempos a tempos quando abrirem este álbum se recordarão de Ramiro, mas esse também morreu coma explosão. Hoje resta um outro Ramiro, o que teve de encontra de novo uma razão de viver, o que teve de se reinventar nessa nova condição. Passaram 35 anos e hoje já consigo lidar com muitas das memórias. Apenas á pouco voltei a ser um homem inteiro. Talvez este ano vá ao encontro anual do regimento, sinto que talvez já nos possamos reencontrar.

Factor surpresa

As patrulhas as populações eram fundamentais para a nossa segurança e embora feitas com regularidade, eram bastante aleatórias para não permitir ao inimigo planear os seus ataques. Era importante manter o factor surpresa e evitar as emboscadas. Mas desta vez foi o inimigo que nos surpreendeu.

As m inas não foram as culpadas...

Agora não há nada a fazer, nada me liga a vocês, aos que me deixaram vir. As vezes quase que sinto que através de mim deus vos tentou dar uma lição. Irónico, por ter vindo assim talvez ainda tenha um futuro, pelo menos não apresento uma pretensa normalidade que esconde todos os traumas de que ninguém quer falar. Ao menos eu inspiro imediatamente o horror e a piedade. Ao menos todos sabem que sou um homem transformado, que sou outro, que sou um monstro.

O chão fugiu debaixo dos meus pés

Faltava apenas um mês para terminar a nossa comissão de serviço. Eu já fazia planos para reencontra a Laurinda e o Coentral, em breve poderia voltar a viver de novo, podia começar a tentar esquecer o que fui forçado a testemunhar. Ia finalmente deixar para trás esta guerra com a qual não me identificava e cujo fim estava condenado pelo tempo da história. Mas não seria assim de repente o chão fugiu debaixo dos pés…

Carne para canhão

Este é um dos últimos momentos em que o meu ar pensativo parece ser um prenuncio do que me espera. Pareço intuir quer não passo de carne para canhão. Parece que já oiço o som dos helicópteros, o som do mau pressagio, o som que anuncia os mortos ou os feridos a evacuar.

Entregues á divina providência

cada vez que saia para a ronda pelas sanzalas, para falar com os sobas e verificar que o território estava seguro, entregavamo-nos nas mãos da divina providência, até aqui ela olhou por nós...

Os pais enterram os filhos

O Almeida, um soldado transmontano que igualava a coragem, a grandeza de catacter e o execelente humor. Ele não voltou. Os meus sentimentos oscilam entre a inveja e raiva por ter sido eu a escapar. Algures no planalto transmontano, uma mulher de preto carregou a magoa da sua morte., mas é assim nos tempos de guerra são os pais que enterram os filhos. E para quê! Um dia enchi-me de coragem e fui ao encontro da mãe do Almeida, queria que ficasse com as recordações do filho, açlguém tinha de lhe dizer como partiu...

terça-feira

A fronteira da liberdade

Desde o primeiro minuto que cheguei a África começou a germinar a revolta contra a guerra.. Mas o que era mais difícil era esconde-la, sabia que não me queria ver num Tribunal de Guerra. Mas ás vezes sonhava em deixar tudo, pegar no Willie e passar a fronteira com o Congo. Sabia que a liberdade estava tão perto. Às vezes imaginava que ninguém daria pela minha falta.

sexta-feira

Sorrisos perdidos no meio da guerra

Sempre adorei esta foto e o sorriso inocente das crianças. Igual ao das crianças de todas as cores, escondendo o porquê de tantas incompreensões. Gosto de ter ficado comigo este pequeno momento de ternura que não quer dizer compreensão. Quem sabe amanhã sejam estes os primeiros a empunhar as armas contra mim, como aconteceu em 1961 por todo o norte. Neste ar quente vagueiam as memórias de massacres, de chacinas, de corpos mutilados de incompreensões de equívocos, e eu cada vez compreendo menos sobre esta terra, sobre nós e esta terra. Amanhã ao meu lado poderá tombar um companheiro negro, como poderemos dizimar uma alteia por retaliação à morte de uns fazendeiros. Quanto tempo durará a recordação dos corpos mutilados jazendo ao abandono? Quem nos conseguirá compreender? Mas ainda hoje recordo com ternura os simples sorrisos perdidos no meio da guerra.

Silencio, solidão e tiros

Este era o meu canto preferido, junto dos cactos resistentes. Sentia-me bem ali. Cada nova carta da Laurinda deixava-me neste estado hibrido entre a melancolia e a tristeza. Aqui encostado neste companheiro resistentes, voltava a ocupar os meus pensamentos com as tuas meórias, comas tuas simples frases : "por aqui tudo bem, conto os dias para que volto. Sei que sermos felizes". A tua voz ecova na minha memória preenchendo os incomodos silêncios da imensidadão da paisagem. No entanto aqui é sempre preciso estar atento todos os sons todem por-nos de alerta, de repente podem começar os tiros, pode cair um obus, podemos ter de pegar nas arma. Tiros no meio da solidão.

Bau das memórias de guerra

Se tudo fosse tão fácil, como nest foto. Quantas vezes tenho desejado possuir assim um pequeno cofre, como este em que guardava as tuas cartas, em que pudesse encerrar todo o meu passado, todas as minhas memórias desta guerra. Como se pudesse isolar-me do conhecimento que tive do homem no limite da sua condição. Do homem que tem de matar apenas para não morrer, do homem sem o direito de esquecer. do homem que deixou de ser homem por uma ideia intangível como o de uma pátria.

quinta-feira

Uma carta: oásis no nosso desespero

Este era o momento em que nos sentíamos vivos de novo, melhor este era os momento que nos faria continuar a viver até que se repetisse. Grande parte da nossa vida era vivida olhando os céus, esperando pelo ruído do avião do SPM, esperando as noticias dos nossos entes queridos. Como sempre lá estava uma carta tua Laurinda. A tua carta, a última que eu iria receber enquanto o outro Ramiro, o Ramiro completo. Sempre adorarei a intensidade desta foto. Estes eramos nós, isto eram os homens e um pequeno oásis no nosso desespero. Todos corríamos dali abríamos as cartas para ler e reler e voltar a ler e poder sonhar de novo, ler nas entrelinhas, ter a certeza que alguém nos esperava do outro lado e que isto teria um fim e que um dia iríamos compreender o sentido, ou talvez não….

Devo-te a vida

O meu fado

Aqui ainda não conhecia a extensão do meu fado. Ainda hoje me interrogo porque não fizeram o fado de laurinda e Ramiro. Bons momentos de descontração, para esconder o medo. Gostava de reencontrar estes companheiros guitaristas, soldados cigarras das tardes torridas da savana. Mas há muito que não os vejo. cada vez me isolo mais, sinto que não sou uma boa recordação para os camaradas que voltaram inteiros.

A foto que mais me faz chorar…

Parece que o medo que senti me passou a acompanhar-me para sempre. Sei que não posso voltar a entregar-me a ti como antes, sei que nunca te poderei transmitir todo este medo. A esta foto associo o momento em que deixei de ser o teu Ramiro, o que conhecestes e amastes. Além do mais ainda me revejo num dos últimos momentos de felicidade e de pujança física. Nestes pequenos momentos era feliz, como quando corria contigo pelo campo.

Sonhando com outro mundo (e contigo)

Tento abstarir-me, pego na guitarra, nos discos, bebo um copo, olho as fotografias. No fundo tendo fugir ao poder magnetico que a imagens dos companheiros mortos excercem sobre o meu pensamento. fecho os olhos e a explosão da mina repte-se perante o ecran dos meus olhos cerrados. Não consigo, libertar-me, as imagens são continuas e recorrentes. bebo mais un golo, talvez mais tarde consiga dormir. Gostava de conseguir sonhar com outro mundo, gosta de poder sonhar contigo Laurinda, mas sinto que começo a ser outro.

Até quando irá durar esta guerra?.

Deito-me aqui na cama pensando com os meus botões. Aqui, finalmente posso conversar!!!. Ainda não confio em toda a gente, apenas com o Antunes posso desabafar. Como será que estão as coisas na metrópole? Desde que Salazar morreu que se espera que o regime caía. Quando sai de Lisboa, já haviam muitos movimentos e discussões acerca de uma autonomia para as províncias. O regime estava em dificuldades face ao esforço da guerra. Será que vai cair?. Até quando irá durar esta guerra? O correio não é de confiar, embora as probabilidades sejam baixas, alguém pode abrir uma carta….

quarta-feira

Vivó luxo

Ao serviço

Todo o tempo para pensar em ti

Ás armas - aquartelados

Os Intocáveis

Yé Yé

Maldita hora que vim para a guerra

O álcool acabou excitando os ânimos e libertando a alma para gritar aquilo que lhe ia dentro. A verdade é que foi aqui que me comecei a interrogar sobre aquilo tudo, porque seria que homens treinados como eu para suportar os horrores da guerra choravam como crianças e saiam gritando pela noite: “Maldita hora que vim para a guerra. Vou destruir esta merda toda. Porquê? Porquê?” . Foi ai que me interroguei será que também eu ficarei assim, também eu irei amaldiçoar a hora em que para aqui vim.

Esquecer!!!

O efeito combinado de umas Cucas frescas, com o prazer de um banho recente e o contagio da alegria dos que partiam faziam esquecer o que estava para vir. Decidi, esquecer que amanhã teria a responsabilidade de garantir a segurança do local de comandar. A guerra ensina-nos a viver todo cada dia. Hoje era tempo de esquecer. Descobri que que ficava feliz com a alegria dos que partiam, descobri-me a imaginar já o dia em estaria no lugar deles, como imaginava o dia em que regressaria para te abraçar Laurinda.

Rendendo os camaradas (disfarçar as lágrimas)

A nossa tristeza era a alegria de outros. Recordarei para sempre a indisfarçada alegria daqueles que íamos render. Eram homens no limite da exaustão, muitas vezes mais psicológica que física. Alguns não conseguiam disfarçar as lágrimas de nos ver chegar e connosco a possibilidade de regressar de fugir da frente desta guerra que parecia querer eternizar-se. Depois foi a festa e aproveitar para matar a fome, esquecer os dias a comer rações de combate.

Cumplicidades para toda a vida

Chegamos cansados, cheios de pó e lama, mas chegamos inteiros. Assim começamos a escrever a história de companheirismo, a história das cumplicidades que se entranham na memória e que permanecerão para toda a vida. Aqui estou eu e o Almeida, companheiro de armas a caminho de se tornar meu irmão. È ele o fotografo, com ele irei partilhar a camarata, as estratégias de defesa, a alegria de sobreviver mais um dia, a angustia e o medo e as confissões das minhas saudades e do meu sentir por Laurinda. Aqui neste destacamento iremos a prender o valor da solidariedade e da amizade para além da patente de cada um

segunda-feira

Protecção dos ceus

O meu primeiro obus (não vá o Diabo tecê-las)

A picada adensava-se, era o local perfeito, para se disimularem nas matas e para nos enjaular. senti-me como um peixe numa daquelas ratoeiras de vime. dali só se saia pelo força do fogo. Só me pude proteger e dispara, disparar.

Ao encontro do destino

Norte de Angola - 1972 tinha 21 anos e ia ao encontro do destino. Esta zona da picada era boa a coluna avançava veloz. O soldado que Conduzia a berliet da frente foi o primeiro a ser projectado pela explosão. Esse era, como no meu caso, o primeiro serviço. A emboscada fez tombar cinco camaradas de armas. Tivemos de ajudar a transportar os corpos para o helicoptro.